quinta-feira, 23 de outubro de 2014

#34 - NOITE, Armando Taborda

Pergunto à noite
sombria
o que é que sobra 
do dia?

Claramente de dia
a sombra
é mais negra
que a noite.

domingo, 19 de outubro de 2014

#33 - PASSOS DE VELUDO (título póstumo), Ana Luísa Amaral

 Do not go gently into that good night
                                                                                                                                                                                                                                    Dylan Thomas

Não permitas que a noite se desabe,
habituada e negra. Antes confunde
as regras e as sombras que lhe obedecem,
cegas. Não descanses olhar sobre
o vazio, nem no silêncio seduzindo
em nada. Aqui: címbalo, pífaro, assobio,
ou tampas de barulho avesso à almofada.
Grita, blasfema, geme em timbre agudo,
mas não deixes a lua, com passos de veludo
entrar pela ombreira, sentar-se e conversar.
Nem lhe ofereças um lar de cabeceira
e penumbra doente. Argumenta-a de frente
e à seda roçagante dos seus passos;
numa filosofia de algibeira,
resiste-lhe o abraço cultivado. E rasga
a sua máscara ausente de suor. Não entres
docemente nessa noite. Não entres
tão depressa.

domingo, 12 de outubro de 2014

#32 - O ACENDEDOR DE LAMPIÕES, Vergílio Alberto Vieira

De tanto bater à porta
Da noite que à noite cai,
Ninguém com ele se importa
Nas ruas por onde vai.

De volta a casa, não diz
Como aprendeu a acender
Estrelas que o fazem feliz
Porque não querem morrer.

sábado, 11 de outubro de 2014

#31 - NOITES DE MACAU (1), António Augusto Menano

Da boca da noite soltam-se as sombras,
encostam-se aos muros,
deitam-se no asfalto.
Por vezes atravessam as ruas
a correr.
Junto ao Lou Lim Leoc
eu vi duas mulheres
saírem de uma casa
cor de rosa.
Gritavam aos deuses tailandeses,
traziam os cabelos soltos,
e choravam.

sábado, 4 de outubro de 2014

#30 - HORA CREPUSCULAR, Ana Luísa Amaral

Só, na noite. O vazio do intrincado espaço
da memória, teia quase perfeita de finos
nervos. Como num bastidor, quebrou-se agulha,
rompeu-se o fio de seda, ou lã macia.
Ou foi só o crepúsculo que, dissonante, entrou?

Só, na noite, no vazio intrincado do pensar.
Mas, se brilho na teia? Se segundo qualquer crepuscular
à cabeceira, onde medicamentos 
e pequenas flores? Que olhar nos é negado?
Alguém em limiar ou tempo ausente?

De encontro aos cobertores, que frio maior?
O frio nos fios da teia em desconserto. E rotos. 
Mas, se alguma candeia de século passado,
o azeite a manchar o bastidor? Só, na noite.
Sem deuses, nem demónios. A teia a oscilar,

sem som.