domingo, 31 de agosto de 2014

#25 - O ACENDEDOR DE LAMPIÕES, Jorge de Lima

Lá vem o acendedor de lampiões na rua!
Este mesmo que vem imperturbavelmente
parodiar o Sol e associar-se à Lua
quando a sombra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões e continua
outros mais a acender interminavelmente
à medida que a noite aos poucos se acentua
e a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
ele que doura a noite e ilumina a cidade
talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua:
crenças, religião, amor, felicidade,
como esse acendedor de lampiões na rua!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

#24 - MAGIA DOS PIRILAMPOS, Afonso Duarte

Cintilam na resteva os pirilampos:
-- Bailados de luz viva, logo morta.
Anda a crença a bater de porta em porta
Que há alminhas penadas pelos campos.

Luzem na floresta às vezes tantos
Que ao luzeiro macabro, além, da horta
Um frio gume de medo me recorta
-- O infantil medo que se esconde aos cantos.

E despedindo lume entre os silvedos,
Cruzam de agoiro a noite e de bruxedos,
Luzes de feiticeiras contradanças.

«Pirilampos debaixo da maquia»
Que vezes me embruxou vossa alquimia
Que magos! -- «para engano das crianças».

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

#23 - ARRAIAL, Américo Durão

A AQUILINO RIBEIRO.

Noite de S. João. Oiço os descantes
dum baile popular. Ao alto, a lua,
lindo balão, sobe no céu, flutua
sobre a cidade. Enlaçam-se os amantes

na volúpia da noite. Estralejantes,
cada foguete é uma espada nua,
risca no ar gestos de luz. A rua
é um bazar de anseios perturbantes.

Jovem, de branco, um marinheiro leva
pelo seu braço uma gentil pequena,
também de branco. E somem-se na treva...

Há bailes de bebés pelos terraços.
E eu volto a casa só, cheio de pena,
trazendo um sonho morto nos meus braços.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

#22 A NOITE DESCE, Florbela Espanca

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos castanhos, carinhosos,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!